Foto: Marta Soares
Prato de Flores - Nação Zumbi
O sol se espalhava sobre o seu rosto branco. A luz escorria pelo seio da face e respingava leve pelo chão. Há quantos dias a vida não era tão linda. Um enorme sorriso abriu em seu rosto. Para Alice, viver não podia ser simples. Tinha de ser grande; de transbordar sua alma em intensidade. Mas não era sempre assim. Quase nunca. Durante quase todo o tempo buscava, incrédula, pelos curtos momentos que lhe faziam realmente sentir. Sua alegria, agora, era assim, desmotivada. Não precisava se explicar, simplesmente estava nela. Um momento em suas mãos. Ela sentia. Quem dera, Alice, anotar em um papel um mapa dos sentidos. Voltar ao mesmo lugar de sua cabeça, o mesmo estado que lhe fazia viva, presente. Era um banho. O sol, decifrado pelo colorido vidro entreaberto, se espalhava sobre seu rosto branco. E a luz, assim, esparramada como um felino preguiçoso, escorria pelo seio da face e se encaixava leve nos azulejos do chão. A vida se passava sob a ducha que lhe partia o corpo ao meio, sem passado, sem futuro. Duas metades dedicadas à um presente só. À um presente, e só.
Mas outra pele lhe faltava ali. Ser guardada em um par de braços, que lhe eximissem toda dúvida. Um alguém que escolhesse um entre tantos futuros possíveis e lhe presenteasse embalado em segurança, e então: Alice. Finalmente, ela própria... Pobre bela. Sabia mesmo inverter o mundo naqueles banhos. Todo mal se perdia e, diluído em água, impregnava os azulejos do chão. Uma boa bucha e muita espuma. Esfregou cada centímetro da pele branca. As orelhas, deixou. Agradava-lhe um pouco de sebo. Lavou a alma. Abriu o peito e escovou o já combalido coração. E, por último, regou a planta dos pés. Secou-se e, por fim, lustrou as retinas. Agora, de corpo e alma limpos e a mente vazia, estava pronta para voltar à realidade.
Rômulo Medeiros