domingo, 19 de setembro de 2010

.Intranquilo

Intranquilo. A mente ágil, sem qualquer razão aparente. Uma besteira qualquer e o tudo se perde do simples. Tudo se confunde, tudo confunde. O passado já não é o mesmo de onde vim, o presente já não tem nitidez. E cá estou, vivendo um estranho caminho rumo a um futuro planejado que já não me lembro mais. Todas as máscaras me vestiriam agora. Prefiro a do tédio. Impaciência: o pior dos incômodos. Capaz de tornar tudo um saco. Um querer de algo que não existe. Tesão incapaz, inalcançável.




terça-feira, 14 de setembro de 2010

.Pablo



Era por isso que estavam ali. Ainda ontem tudo parecia pequeno e sem muita intensidade. Trocaram duas ou três mensagens e agora se esfregavam, nus, como era de se esperar de dois corpos que se sentem, em pelo, pela primeira vez. Não sabiam limites. Suas peles se arrastavam, desafiando as leis físicas, os dois se penetraram alma adentro rumo a completude de um intenso efêmero. Que dom tinha Pablo... Em duas mensagens trouxe àquela mulher uma centelha de pensamento sujo. Do prazer vulgar da puta que no fundo era. Era só o que pensava agora, queria senta-lhe à face e molha-lo a barba no seu rebolar ritmado. Era um favor que faria a ele. Deixá-lo se deliciar em seu corpo lânguido e macio...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

.Nome Próprio




Que bela voz me alumiou a alma na noite em que me vi só. Se ao menos me poupasse da cruel secura em meu peito lúgubre ou se viesse servida de palavras sinceras, capazes de tornar bem acompanhadas as solidões alheias. Não fossem as sublimes ilusões que me preenchem de ânsia diria, com toda certeza, ser este acento malentendido apenas a mesma infinita sede de completude que há de acompanhar toda alma humana. E, ainda que os passos lá fora me remetam aos mais deliciosos devaneios, me insisto Rômulo: insatisfeito e eterno refém do mundo real.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

.Clara


       
      Clara seria sempre um mistério para mim. Quando éramos pequenas lembro-a como o espelho do meu futuro. Tudo que queria ser. Sentadas no banco de trás de um velho carro em uma viajem qualquer e Clara sempre distante. Seu corpo sob mim e seu espírito do outro lado do orvalhado vidro; sempre ausente. Suficiente em seu misterioso mundo interno. Como queria viajar em sua cabeça, saber tudo o que pensava com aqueles olhos distantes. Mas talvez fosse melhor não incomoda-la; grandiosas idéias estavam sendo vividas ali. Minha cabeça repousava em suas coxas mirradas de criança que, para mim, eram como o mais macio recosto de plumas. Os postes, apressados, ultrapassavam o carro em alta velocidade com suas luzes agressivas que, logo, eram divididas em mil pelas gotículas no vidro e percorriam, como um filme projetado, a tela de minhas pestanas serradas. Me alucinava ver por entre os cílios dos olhos mal abertos a seriedade tão adulta da menina Clara. Absorta em devaneios quaisquer. Que alvo seus olhos apontavam? Ás vezes, o rosto sério era subitamente enfeitado por um tímido sorriso; outras por uma misteriosa lágrima. A lágrima era o mais belo adorno a completar seu rosto ensimesmado. Lhe preenchia do hermetismo que me cativava. Então, eu respondia com um sutil carinho ou abraço disfarçado em um movimento natural de meu cínico sono. Mas, de toda forma, troquemos o assunto. O tempo não volta atrás, não é mesmo? E a maturidade por ele arbitrariamente imposta nos emburrece e distancia do verdadeiro que éramos quando miúdos. Clara se tornou o seu oposto. E eu, o que lia de sua imagem no velho vidro de carro.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

.Musa




"O assombroso de seu instinto simplificador era que quanto mais passava por cima dos convencionalismos em obediência à espontaneidade, mais perturbadora ficava a sua beleza inacreditável e mais provocante o seu comportamento para com os homens. (...) Inconsciente da aura inquietante em que se movimentava, do insuportável estado de íntima calamidade que provocava à sua passagem, Remedios, a bela, tratava os homens sem a menor malícia e acabava de transtorná-los com as suas inocentes complacências."

Gabriel García Márquez

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


  Foto: Autor Desconhecido


        Meu bem, um pouco mais do que há de humano, de peito aberto. Não te vejo de olhos  postos ao mundo, para as pessoas ao seu redor. O mundo é, querida, e você presa dentro de seu casulo. Onde suas pequenas richas remoem-se sem sentido, sem importância. Como pode ser assim? Um pouco menos do seu drama, meu bem, um pouco mais dos outros. Você mal sabe o peso do que diz. Se sabe, pior. Seu sadismo dói. Um pouco mais de silêncio. Se cale e olhe, perceba. Prefiro lhe ver como uma inconsciente. Antes ignorante à irresponsável. Será que sabes o limite de sua ficção? Agrádavel e mortal. Te vejo condenada à insatisfação eterna. Não me leve a mal. Mas, no fundo, não cumprimos todos a mesma sentença?